segunda-feira, 20 de setembro de 2010

FOLHA DE SÃO PAULO – Sábado, 18 de outubro de 19XX

A arte e outros inutensílios

PAULO LEMINSKI

Especial para a Folha


A curiosa ideia de que a arte não está a serviço de nada a não ser de si mesma é relativamente recente. Data do romantismo europeu do século 19, apogeu da Revolução Industrial e da hegemonia burguesa, momento em que o artista se torna um desempregado crônico.

(…)

“Poesia não vende” é um dos mandamentos do Decálogo mínimo de qualquer editor sensato. Pois não vende mesmo. O destino da poesia é ser outra coisa, além ou aquém da mercadoria e do mercado.

Mas obram e mal pensam aqueles que reclamam da renitência das casas editoras em publicar poesia. Deveriam mais é ficar alegres. A poesia, afinal, é a última trincheira onde a arte se defende das tentações de virar ornamento e mercadoria (…)

O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas.

Todos sabemos que elas são a própria finalidade da vida. As únicas coisas grandes e boas, que pode nos dar esta passagem pela crosta deste terceiro planeta depois do Sol (alguém conhece coisa além? Cartas à redação).

Fazemos coisas úteis para ter acesso a estes dons absolutos e finais. A luta do trabalhador por melhores condições de vida é a luta pelo acesso a estes bens, brilhando além dos horizontes estreitos do útil, do prático e do lucro.

Coisas inúteis (ou in-úteis) são a própria finalidade da vida.

(…)

Poesia? Pra quê?

Felizmente, pra nada.

Foi o que respondi a um repórter que, um dia, me perguntava pra que servia a poesia.”



*Palavras intrigantes!

Pâmella Villanova - atriz Acidental


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